Observações diversas de encontros da vida - O cara da livraria

segunda-feira, 23 de abril de 2018



Não vou mentir e nem tentar disfarçar. Este relato tem forte influência do blog de Ifemelu. Caso você não saiba do que estou falando, dê um google e vá atrás de descobrir (sim, isso é propositalmente uma dica de leitura).

De qualquer forma, o que me motiva a fazer esse relato são encontros curiosos com conhecidos ou não que temos ao longo da vida. Tendemos a ignorar muitos destes encontros e não nos damos conta de como, mesmo insignificantemente, eles podem dar graça aos dias.
Sexta-feira. Eu estava numa grande livraria apenas passando o tempo para dar o horário da janta que estava marcada.
Carregava um novo livro e estava muito curiosa para começar a leitura. Por alguns minutos pensei se valia mais a pena buscar o mesmo livro nas estantes e devolver ao sair, mantendo o meu em segredo. Afinal, poderia parecer estranho alguém lendo no meio da livraria e ao sair simplesmente guardar o livro na bolsa. Sabia que não tinha por que temer os olhares tortos de desconfiança – (in)felizmente tenho privilégios sobre isso – e, somado à preguiça de buscar pelo livro e/ou precisar perguntar para algum vendedor, resolvi sentar numa poltrona e tirar meu próprio da mochila.
Escolhi, escolhi e escolhi e acabei me sentando num lugar entre dois rapazes que aparentemente faziam reunião por audio de whatsapp (e um deles deixava o áudio aberto para que todos ouvissem também). Depois de algumas páginas me cansei do barulho e procurei outro lugar.
Sentei próxima a um rapaz que estava concentrado mexendo no celular. Este não vai me atrapalhar.

- Oi, desculpe... esse livro é bom?
- Na verdade, não sei ainda. Acabei de começar a leitura, mas estou bastante interessada.
- Ah, estou com vontade de ler... Alguns amigos me falaram bem.

Mentira. Tinha certeza de que ele nem tinha conseguido sequer ver a capa do livro. Não sabia de qual se tratava.

- Ah, é? Sim, parece bom. Eu adorei o filme, então fiquei curiosa sobre o livro.
- Ah... tem filme também?

Comprovação da mentira. Se ele tivesse qualquer informação sobre o livro, saberia também de que se tratava de um dos filmes mais comentados do ano, concorrendo a vários oscars.

- Sim... você sabe sobre do que se trata?
- Hum... É... não...
- É uma história de amor entre um adolescente de 17 anos e um aluno do seu pai, de 24. É um romance. Escrito em primeira pessoa em forma dos pensamentos e memórias do personagem principal.
- Um alunO?

Provavelmente nesse momento ele percebeu que foi uma péssima ideia ter puxado papo sobre um livro que supostamente ele estava muito interessado, mas que na verdade não tinha informação nenhuma a respeito.
Eu queria cortar o assunto. Tinha mudado de lugar para não ser atrapalhada por barulhos. A ultima coisa que eu queria era ser interrompida por cantada barata de livraria. Além do mais, estava realmente muito interessada livro. Mas a educação falou mais alto.

- Sim, é uma história de dois rapazes. Mas não sobre preconceitos ou dramas. Sobre amor.
- Nossa........
- Olha, o livro parece bom e o filme é muito bom também. Se você está interessado, vá atrás que vale a pena.

Achei que tivesse ganhado. Mais dois minutos. Mais uma página.

- Desculpa.... posso te perguntar uma coisa?
(Não. Não pode. Você não percebeu que está me atrapalhando?)
- Claro
- Estou namorando uma menina há 1 ano e meio...  E hoje meu plano é pedi-la em casamento
- Sério? Nossa! Que legal! (ok... por essa eu não esperava)
- Sim... Mas tem uma coisa (sempre tem)... Hoje eu descobri que ela está mentindo pra mim. E agora não sei o que fazer
- Como assim? (confesso que aqui já era uma mistura de “me deixa em paz” com “fala logo, que estou curiosa")

Ele contou uma história que não me lembro de detalhes. Algo sobre um telefonema em que fez uma pergunta e sentiu que ela estava mentindo. Pareceu tão bobo. Tão bobo que eu, que odeio mentiras, dei uma resposta que surpreendeu até mesmo a mim. Acho que fiquei ainda mais irritada por ter sido atrapalhada por algo irrelevante.

- Olha... todo mundo mente.
- .......
- As pessoas mentem todos os dias por mil motivos. Não adianta só você se apegar no fato de ela estar mentindo. Sobre o que era a mentira? Qual a motivação? Impacta outras coisas? Foi a primeira vez?
- Não acho que foi a primeira vez, não sei o tamanho que pode ter e não sei o que fazer. Pode me dar um conselho? O que eu faço agora? Continuo com meu plano? Finjo que nada aconteceu? Tento descobrir algo mais?

Quem sou eu pra dar conselhos? Tenho cara de psicóloga ou vivida?

- Não posso te dizer o que fazer. Eu nem sei toda a história. Só você pode decidir.
- O que você faria?
- Eu? Seria 100% sincera. Cartas na mesa. Perguntaria na lata.
- Mas isso é meio assustador.
- É sim... Você pode fingir que nada aconteceu também. É sempre uma saída fácil. Mas você quer pedir em casamento alguém com quem você não pode ser totalmente transparente?
- É, acho que você tem razão.

Telefone toca. Conversa rápida.

- Ela chegou. Até mais. Desculpa ter te atrapalhado. Obrigado pela ajuda.
- Não tem problema... Boa sorte!

E assim eu posso ter interferido no futuro de duas pessoas que eu sequer sei o nome. Com uma conversa que, se não fosse este registro, provavelmente eu esqueceria que aconteceu.

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