Sinais

domingo, 23 de outubro de 2011



Ela jamais entenderia o que significavam aqueles sinais. Grosseria, falta de força de vontade e negligência não faziam parte do seu vocabulário.
Como se fosse necessário o ônibus balançar mais do que o normal, como se para notar a presença de alguém ao seu lado esse desconhecido realmente precisasse roçar a sua perna para marcar território, como se não bastasse o cheiro de dia inacabado com um gole de cansaço.
A única coisa desejada - se é que ainda era digna o suficiente de desejar algo - era chegar em casa e ser recebida. Não necessariamente bem recebida, apenas não mal.
A única ânsia era fechar os olhos por 25 minutos perdidos enquanto Bonner dizia "Boa noite!".
E ao ir para a cama apenas saborear o hálito de menta recém molhado.
Mas ela jamais entenderia os sinais.
Em meio a tantos assuntos desconexos, falta de tato e de humor - outrora tão presente - apenas o que permanecia era o singelo "tudo bem".
Mas "tudo bem" nunca foi um sinal, não poderia ser.
Depois de tanto tempo, tanto esforço, tantas conversas, tanto amor trocado com o suor de algo que não era dela... Agora tinha que estar tudo bem. Era o que se esperava.
Mas as almas não são simbióticas.
O humor, como o tempo - e com o tempo, não acaba. Se não havia mais sorrisos ali, em algum lugar havia de se ouvir o eco do tintilar dos dentes.
Ela devia ter entendido os sinais.
Porque em algum lugar outra era bem recebida, outra cochilava no colo ao mexer nos cabelos durante o jornal, outra saboreava o hálito.
Por que ela não entendeu os sinais?
Precisou faltar o ônibus, faltar o sono, faltar o humor, faltar... Para resolver falar abertamente.
É claro que ela já esperava, mas a insensibilidade foi tão grande que chegou a doer até no espaço vazio.
Como ela não entendeu os sinais?
Juntou todas as faltas que sobraram, guardou com as penas, com o copo de café misturado com saudade e a camiseta velha.
Num saco de lixo colocou cuidadosamente aquele falso amor, as palavras malditas e as não ditas, embrulhou com toda a insensibilidade recebida e mandou embora, sem direito a reciclagem.
Com o tempo encontrou um novo sorriso para preencher.
Mas antes de tudo, comprou um par de óculos... Afinal, os sinais ela precisaria começar a enxergar.