Dia 42

sábado, 28 de outubro de 2023



 

Abri os olhos. As misturas de perfume, a explosão de cores, os barulhos da vida animada em florescer me causaram confusão. Era primavera. Aos poucos fui acostumando e gostando. Aprendendo que algumas flores tinham espinhos, outras só beleza, algumas curavam. A primavera traz despreocupação e expectativas, parece que só pode ficar melhor.

Na hora do almoço, já era verão. Com o calor intenso vem a sede. E haja sede. De dose, de copo, de balde se tiver a chance. No auge do verão não dá nem pra considerar que um dia o inverno chega. Alguns insistem em querer lembrar. Outros dão avisos em tom de ameaça, ou talvez saudosismo: "aproveite esse calor, você não sabe o que te espera!". Mas como comprar roupas de frio com os poros dilatados com o vapor da vida?

Perto do fim da tarde, o outono bateu na porta. Primeiro tímido e depois quase tão confuso quanto o início da primavera. Com momentos que ainda parecem tão quentes, mas sem poder arriscar sair sem levar uma blusa. As árvores começaram a perder folhas e eu me perguntava se voltariam a ser iguais. Ao mesmo tempo que comecei a admirar as novas tonalidades que as decoravam. De repente, ficar em casa parecia melhor do que toda a agitação e bagunça do verão. O som do vento começou a ser mais precioso que das músicas altas. E a casa, que já era abrigo, começou a se encher de outras pessoas, de flores e de sóis.

Quando a noite foi silenciando, o inverno veio me abraçar. Foi tão temido e mal falado. A verdade é que poder me acomodar debaixo do cobertor, trouxe uma sensação de paz. Ter todas as estações num dia parecia corrido demais e eu senti que não consegui aproveitar todas elas. Mas a oportunidade de olhar pela janela o escuro gelado, estando quente aqui dentro, me fez ver que foi um dia lindo. Lindo.

Adormeci. Quem sabe o que vem pela frente?!

Resenha de leitura - É assim que acaba

segunda-feira, 15 de maio de 2023


 

Olá estranho!

Vamos lá, esse blog não é um diário, então não vou ficar explicando que eu não posto nada há anos, mas nunca tive coragem de desativar. Fato é que continuei escrevendo e sempre pensei em retomar com algum foco. Seguimos.

Despois de mudanças, maternidade e afins estou tentando (já há um bom tempo) retomar uma rotina de leitura. Com uma bebê que não dormia era muito difícil, mas eu já não tenho mais essa desculpa. Então por que não juntar o útil ao agradável e voltar ao blog com resenhas literárias?
Vou começar pelo lido mais recente, best seller “É assim que acaba” (título original: “It ends with us”) – autora Coleen Hoover.
Veio como indicação de uma amiga que também está retomando a leitura – com muito mais sucesso do que eu – e ela também me emprestou o livro. Obrigada, Ro!
Pelas minhas conversas com essa amiga, eu tinha alguma ideia sobre a temática, mas não quis pesquisar mais nada antes de ler. Confesso que eu estava esperando uma leitura um pouco diferente. Logo no início, pela estrutura da escrita, perfil dos personagens etc, já vi que era uma leitura YA (categoria literária Young Adult). Que na verdade depois descobri que ele se encaixa em uma nova categoria de New Adult – que traz personagens já não mais tão adolescentes e pode trazer temas mais complexos e um pouco de soft porn (conveniente).
Longe de mim qualquer preconceito contra leituras YA, gosto de vários e acho que eles funcionam muito bem no propósito de pavimentar o caminho de leitores assíduos. Em geral, eles tem uma estrutura de escrita e fluxo de leitura muito fácil. São livros rápidos, que te prendem e não te exigem muito. Nesse sentido, posso dizer que este livro era exatamente o que eu precisava num momento de retomada. Ele tem 366 páginas, contando com notas da autora e agradecimentos. Ou seja, é um livro longo, mas que mesmo assim eu li em um dia com algumas paradas e estando “fora de forma”. Leitura bem fácil, com muitos diálogos, te prende e é fluido.

Mas, direto ao ponto: ele é bom ou não é? Eu gostei ou não gostei?
Caracterizar como “bom ou ruim” é muito pessoal. Na minha visão: tem melhores. Honestamente, achei que ele poderia trazer a mesma temática, talvez até a mesma história, com personagens mais bem construídos. São rasos, a passagem de tempo é um pouco truncada e perde a oportunidade de explorar os temas complexos com mais profundidade. Mas acima de tudo: clichês! Clichês everywhere!!! Até pouco mais da metade do livro eu me senti lendo uma mistura de Crepúsculo com 50 Tons de Cinza. Há mais de 10 anos eu não lia um livro assim.
Porém, na segunda metade ele me cativou na temática e, por mais fórmula pronta que seja, admirei que a autora teve a firmeza de manter o caminho que ela começou.
Se eu gostei? Sim, considerando e respeitando a relevância que tem este tipo de leitura e o tema ao público que se destina. Ele definitivamente não entra no meu rol de livros favoritos, mas eu entendo que tenha uma parcela de pessoas que amaram. Tanto é que ele está na lista de mais vendidos há muito tempo. Ele também tem uma boa fórmula de filme, na verdade a receita pronta. Tanto é que, depois de terminar a leitura, a primeira coisa que eu pensei foi: eu aposto o que for que já tem uma adaptação ou projeto de adaptação pra cinema, dito e feito. [OFF: que aliás, eu vou assistir porque será com o Justin Baldoni e quem assistiu Jane The Virgin me entende].

A PARTIR DAQUI CONTÉM SPOILERS.
Falando um pouco mais sobre o livro em si: é um romance narrado em primeira pessoa pela personagem principal, Lily Bloom. Lily é uma jovem de 23 anos que trabalha em uma empresa de Marketing e tem o sonho de abrir o próprio negócio, uma floricultura. Todo o livro é um relato da vida atual de Lily com alguns flashbacks da sua adolescência trazidos através da leitura de diários antigos. Ela cresceu num lar com muita violência doméstica (do pai com a mãe). O que faz com que ela tenha péssimas lembranças do pai (recém falecido) e muitos ressentimentos com a mãe que, na visão dela, nunca fez nada pra tentar sair daquela situação (criava desculpas, não denunciava e aceitava calada). Além deste tema sensível, durante a adolescência ela também se envolve com um garoto em situação de rua, que foi colocado para fora de casa ao completar 18 anos. É um relacionamento bonito de se ver e que aborda o tema até de forma interessante, especialmente quando ela questiona ele sobre buscar outros caminhos e ajuda e o livro traz de maneira rápida, mas clara, de que não é tão simples assim e sobre a importância de se ter apoio e oportunidades. A amizade (e romance) entre os dois dura pouco, apenas alguns meses, e então o rapaz – Atlas – se muda de cidade, se alista na marinha e eles passam anos sem contato.
O livro começa com um encontro um pouco improvável de Lily com Ryle, num momento difícil de muita dor para ambos. E aqui também começam os clichês. Lily é bem o perfil daquela mocinha de filmes adolescentes. Ryle, é claro, é lindo de tirar o fôlego, rico e um neurocirurgião de sucesso. Quais as chances?
A primeira conversa deles escalona muito rápido de um “o que você está fazendo aqui?” pra assuntos profundos e uma tensão – e proposta – sexual. Ao longo da história, Lily e Ryle entram num relacionamento intenso – também cheio de clichês de “eu não quero romance, só quero ser bem sucedido e sexo casual, mas estou perdidamente viciado em você e posso mudar tudo”. Há um reencontro com Atlas (além de outros encontros muito convenientes e cheios de coincidências) e então as coisas começam a ficar um pouco mais complicadas. Em determinado momento, o “cara rico, lindo e maravilhoso” começa a ter reações violentas e episódios de agressão, o que coloca Lily em crise pois se vê numa situação parecida com a da sua mãe.
Pra mim, essa é a parte positiva do livro. Embora os acontecimentos venham numa velocidade de narração meio esquisita e a autora gaste mais tempo descrevendo cenas de sexo do que outros momentos que ela poderia ter explorado melhor, ainda assim fica muito claro que a violência doméstica não acontece de uma hora pra outra e que existem muitos níveis de complexidade nas relações. A trama beira a tentar “justificar” o comportamento de Ryle e eu fiquei bem preocupada de que seria mais uma historia de “mocinha salva o cara gostoso que não sabe se relacionar”. Mas, como eu comentei no início, UFA que a autora se manteve firme no seu propósito e levou a abordagem pra um sentido de “ok, você tem seus problemas, mas eu não preciso lidar com eles e tchau”.
É aqui que eu acho que o livro “se salva”. Considerando o público a quem é destinado, é importante falar abertamente sobre alguns temas tão sensíveis e trazer a possibilidade de algumas mulheres se reconhecerem naquela narrativa e cortarem por terra histórias que poderiam ser (mais) trágicas.
E, pra mim, a pior parte do livro: embora não ache que a violência e o relacionamento abusivo sejam romantizados aqui, achei bem problemático que o agressor não tenha sido denunciado por ninguém e sua única “condenação” tenha sido ficar sem a esposa.

Existe um segundo livro de continuação – que eu vou ler, sim, porque sou curiosa e é mais uma leitura rápida. Vamos ver se a autora abordou isso ou não. Embora suspeito que o segundo livro deva ser mais água com açúcar sobre o relacionamento de Lily com Atlas (o ex-amigo-namorado mendigo que ela reencontrou).

E você? Já leu esse livro ou outro da autora? Gostou? Me recomenda alguma leitura?

Próxima resenha: A mulher do viajante no tempo (título original: “The time traveler’s wife”. Autora Audrey Niffenegger)