Indesejada

domingo, 16 de setembro de 2012


Sai do banho e com a toalha ainda torcida nos cabelos molhados, para.
Passa a mão no espelho a fim de desvendar sua imagem oculta pelas gotas de água formadas pelo vapor.

Solta as toalhas - tanto a dos cabelos, quanto a do corpo. Cabelo muito preto, muito longo, muitos cachos. Olhos muito grandes e igualmente escuros. Pele muito branca, contrastando com tudo, exceto o azulejo da parede.

Presta mais atenção na imagem do que seus grandes olhos podem captar  e repete mentalmente "ele não me deseja".
Procura algo bizarro no seu corpo, algo que possa explicar essa condição. "Ele não me deseja..."

Sente-se egoísta por esse pensamento lhe fazer tão mal. Mas, acima de tudo, sente-se injustiçada. Acha simplesmente injusto o que a vida lhe reserva nesse momento. Que ela o queira com todas as suas forças, em todos os seus átomos, de todas as formas. E ele simplesmente opta por não desejá-la. E fim.
Como quem puxa o band-aid de uma só vez para não sentir.

"Ah, me poupe, Luiza!"
Tanta coisa para fazer, tanto trabalho atrasado, o quarto para arrumar, as roupas para guardar e só o que consegue pensar é "Ele não me deseja".
Parece que repetir essa frase infinitas vezes vai ajudar a aceitar ou mudar a realidade.
Confabula possibilidades. Procura brechas. Cogita apelação, "e se eu aparecer no apartamento dele semi-nua? Talvez ele me deseje novamente... Aquele fogo tem que estar em algum lugar!".
Para. Que pensamento mais baixo. Se quisesse um animal instintivo compraria um cachorro.

Mas, como lidar com a rejeição? Como lidar com o espelho? Como lidar com a auto-estima - ou a falta dela - quando os cachos lhe caem sobre o peito de uma forma que, antes lembrava um penteado sensual, agora mais chega perto de um "despenteado" debochado. Debochando dela. "Ele não te deseja, você não é boa o suficiente".

Luiza, que antes achava que um corpo dentro dos padrões, boas notas e um papo agradável eram suficientes, agora está perdida num mar que é ela mesma.
"Ele não me deseja"
Sem saber por quanto tempo isso irá persegui-la, desiste do banheiro quente e úmido e volta à realidade.
Procura a lingerie mais bonita, a roupa mais confortável, deixa os cabelos secarem naturalmente.
Vai até o supermercado mais próximo e encontra o único que não a deixará sozinha e que preencherá momentaneamente esse vazio da rejeição, do indesejo. Chocolate.
Devora a barra muito mais rápido do que gostaria, voltando a lembrar do motivo muito antes do esperado.
Guarda o papel laminado e cola um adesivo em cima com os dizeres "Ele não te deseja". Para assim, tentar esquecer, ou não deixar de lembrar.

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